quinta-feira, 30 de maio de 2013

Café preto e amargo

Hoje no terminal, um pouco depois de descer do trem, já em Jundiaí, um senhor, aparentemente responsável, calvo e de mochilas surradas nas costas, me aborda com educação e me pede, não dinheiro, tampouco comida, apenas que pague pra ele uma passagem de ônibus.
Eu não hesito e me prontifico a ajudá-lo.
A tempos não sentia compaixão e me pareceu curioso que, em dois momentos distintos de um mesmo dia, estranhos causassem em mim sentimentos tão nobres.
O primeiro fora pela manhã, no percurso Franco da Rocha/Mairiporã, subindo no ônibus. Atrás de mim, um homem, na casa de seus 32 anos, pediu uma carona para o motorista que, dando de ombros, desdenhou-o fazendo que não com a cabeça. Sentei em meu lugar querendo muito ajudá-lo, olhei-o por diversas vezes na intenção efetiva de fazê-lo (algo me dizia para pagar a passagem para ele), mas eu também o ignorei e com isto meus sentidos se foram juntamente com o ônibus que seguiu em direção ao destino de sempre. Em poucos minutos perdi o trabalhador de vista e, baixando a cabeça em sinal vazio de respeito e remorso me afoguei no fone de ouvido jurando esquecê-lo.
Horas depois, este segundo senhor, desta vez se dirigindo a minha pessoa, me pede passagem. Achei por bem ajudá-lo.
Acontece que seu destino ali seria apenas até a rodoviária, ele morava em campinas e a passagem de ônibus urbano seria apenas o primeiro desafio de muitos que ele enfrentaria no caminho de volta para casa.
No longo percurso que separou os 100 metros que caminhamos juntos até a catraca de acesso e depois rumo a nossos pontos, ele lembrou meu pai em diversos momentos, minha história e minha família em tantos outros. Ele era chefe de família, veio para Jundiaí a procura de emprego, calculou mal seu saque e dos quinze reais que trouxe consigo, quatorze foram para chegar até o local da entrevista, e um fora para o café mais preto e mais amargo da sua vida (como ele mesmo se referiu).
Nos separamos em nossos pontos e nos despedimos. Para o homem eu já era de fato um bom samaritano, mas ele não podia sequer imaginar o que se passava comigo.
Não por mim, talvez pela filha de dezesseis anos que ele disse que tinha, ou pela mulher que deveria estar preocupada, talvez pelo homem de manhã que eu e o motorista desdenhamos, ou por todos os terços que meu pai rezou nos anos que a vida lhe obrigou o desemprego e o desespero, corri até sua parada e, aguardando alguns minutos de longe, tentei decifrá-lo para com isso decifrar o que se desmoronava dentro de mim quando, sozinho no ponto, sem mais ousar desdenhar nada e nem ninguém, eu o abordei com uma nota de vinte e pedi, tão somente, que voltasse pra casa.
Afinal também eu precisava voltar para a minha.

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