quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Luz

Esses dias eu acordei e a imagem dela me veio a cabeça.
Não era qualquer imagem, era ela, a mesma dos filmes que busco desesperadamente encontrar, das inspirações que encontro de formas tão variadas e intensas nas músicas que ouço; a mesma que me lê histórias de viver e me pede para sair recontando-as por aí.
Ela apareceu por entre um foco desconcertante de luz e me disse qualquer coisa sobre transcender.
Me pediu para morrer novamente e, assumindo sua versão heroína, explicou porque tinha que ser assim.

"  - Porque essas lanternas? - perguntei curioso.
   Ela respirou fundo e buscou se expressar lentamente, como quem não tem pressa, e de fato não tínhamos mesmo para onde ir.
   - Para me defender... Existe um mundo de entrelinhas entre aquilo que se cria e o porque de se criar. Um mundo onde uma lógica incontestável se faz presente e é tão fruto da imaginação de alguém, como somos reféns da física e da química nas coisas. Eu não espero que entenda, quero apenas que me ajude. Eu realmente preciso de ajuda agora.
   - Mas como? Em que eu posso te ajudar?
   Ela andou um pouco, respirou fundo e tentou disfarçar a voz rouca pelo choro de ainda a pouco. O mesmo choro que desafiava a coragem de mulher no corpo frágil da criança.
   - Eu estou esquecendo quem eu sou. Antes eu caminhava por essas ruas, e era tão cheia de certezas. Um dia desses eu acordei e simplesmente não sabia mais nada de mim, quem eu era, porque era, onde estava... Andando por aí, comecei a recolher lixos nas ruas na tentativa de encontrar algum sentido em tudo. Nada aqui é somente lixo, tem essa lógica de que te falo. Sei da arte nas coisas, da música em tudo, mas não ando conseguindo sentir mais nada que não solidão e as vezes sinto o avesso do amor; nesses dias, tenho muito medo do fim.
   - Do que você está falando?
   - Descobre quem eu sou e conta pra mim. Eu conheço aqui como a palma da minha mão, e sei onde está aquilo que está procurando. Eu vi quem pegou...
   - O fim da minha história?
   - Sim, o fim tão perfeito de que fala. Foi um desses lixeiros do lado de cá que levou, e se me ajudar, eu caço ela pra você.
   Tínha um trato com a garota cheia de lanternas e surreal demais, um trato que definiria o rumo da minha jornada.
   - Volto amanhã - disse cheio de esperanças.
   - Se não acordar, te acerto com a luz de novo. Ela não machuca pessoas como você. "

                                                                                                                                   (trecho de "Avesso")

Existe um surrealismo naquilo que proponho como arte, que só faz sentido se eu foco e não perco a luz, jamais.
E quem melhor do que ela para desfilar sobre a escuridão?


Ouvindo: Radiohead - "Exit Music (for a film)"


domingo, 12 de agosto de 2012

Coisas Belas e Sujas

As pessoas crescem e desaparecem.
Nos anulamos nas fórmulas do cotidiano, nas religiões do medo da morte e nas solidões dos momentos em que desejamos ser capaz de sentir qualquer coisa que não angústia por nós mesmos.
Sinceramente eu queria ser capaz de amar, de sentir verdadeiramente amor pelas pessoas, pelo mundo, mas existe um manto que me enobrece perante os fatos da vida na mesma intensidade que me distância de uma suposta fórmula de amar.
Eu sinto amor, por tudo e todos, mas não sou capaz de viver esse sentimento por nada nem por ninguém, preferindo a solidão como companhia perfeita daquilo que me desmente e me desestimula, sendo capaz de me perder em loucuras fáceis de pureza e inocência.
Eu não sou capaz de viver nada intensamente, nada que não minhas histórias e a arte que eu uso como droga para me aproximar delas... me aproximar delas...
Eu só aceito o que é belo, essencialmente emblemático, e por mais que a arte se torne relevante nesse hemisfério de pensamento, o turbilhão de pensamentos tortos, a confusão da mente e principalmente as vozes que gritam e brigam para me definir, vão me transformando no velho amargurado de amanhã; o mesmo que agora senta em sua escrivaninha, a alguns dias do fim, e repensa todas as histórias de luz que poderia ter vivido, mas não conseguiu, porque não quis querer.
Se pelo menos as pessoas fossem essas essências todas, mas nunca o são, sendo frágeis e pequenas em um mistério indecente, quase como um odor tolerável de rosa com carniça.
E o pior é que não consigo me calar, e grito sempre, o mais alto que posso, para estas mesmas pessoas que me confundem os sentidos, que não consigo fazer nada que não falar de mim, para mim, o tempo todo e para elas ouvirem. 
Somos mesmo coisas belas e sujas.


Ouvindo: Bright Eyes "The difference in the Shades"