Não era qualquer imagem, era ela, a mesma dos filmes que busco desesperadamente encontrar, das inspirações que encontro de formas tão variadas e intensas nas músicas que ouço; a mesma que me lê histórias de viver e me pede para sair recontando-as por aí.
Ela apareceu por entre um foco desconcertante de luz e me disse qualquer coisa sobre transcender.
Me pediu para morrer novamente e, assumindo sua versão heroína, explicou porque tinha que ser assim.
" - Porque essas lanternas? - perguntei curioso.
Ela respirou fundo e buscou se expressar lentamente, como quem não tem pressa, e de fato não tínhamos mesmo para onde ir.
- Para me defender... Existe um mundo de entrelinhas entre aquilo que se cria e o porque de se criar. Um mundo onde uma lógica incontestável se faz presente e é tão fruto da imaginação de alguém, como somos reféns da física e da química nas coisas. Eu não espero que entenda, quero apenas que me ajude. Eu realmente preciso de ajuda agora.
- Mas como? Em que eu posso te ajudar?
Ela andou um pouco, respirou fundo e tentou disfarçar a voz rouca pelo choro de ainda a pouco. O mesmo choro que desafiava a coragem de mulher no corpo frágil da criança.
- Eu estou esquecendo quem eu sou. Antes eu caminhava por essas ruas, e era tão cheia de certezas. Um dia desses eu acordei e simplesmente não sabia mais nada de mim, quem eu era, porque era, onde estava... Andando por aí, comecei a recolher lixos nas ruas na tentativa de encontrar algum sentido em tudo. Nada aqui é somente lixo, tem essa lógica de que te falo. Sei da arte nas coisas, da música em tudo, mas não ando conseguindo sentir mais nada que não solidão e as vezes sinto o avesso do amor; nesses dias, tenho muito medo do fim.
- Do que você está falando?
- Descobre quem eu sou e conta pra mim. Eu conheço aqui como a palma da minha mão, e sei onde está aquilo que está procurando. Eu vi quem pegou...
- O fim da minha história?
- Sim, o fim tão perfeito de que fala. Foi um desses lixeiros do lado de cá que levou, e se me ajudar, eu caço ela pra você.
Tínha um trato com a garota cheia de lanternas e surreal demais, um trato que definiria o rumo da minha jornada.
- Volto amanhã - disse cheio de esperanças.
- Se não acordar, te acerto com a luz de novo. Ela não machuca pessoas como você. "
(trecho de "Avesso")
Existe um surrealismo naquilo que proponho como arte, que só faz sentido se eu foco e não perco a luz, jamais.
E quem melhor do que ela para desfilar sobre a escuridão?
Ouvindo: Radiohead - "Exit Music (for a film)"